A maior humilhação na Alemanha

Que vergonha!

Colega, nem te conto que já faz 1 ano e 5 meses desde que eu pisei no território europeu e nesse meio tempo eu já vivi tanta coisa…

Desemprego, desafios com a língua, quase fiquei sem-teto, orçamento super apertado, dor de dente sem plano de saúde, saudade das filhas, inseguranças, mudanças de planos… 

Fui injustiçada e enganada (mais de uma vez) e nada foi tão humilhante como o que aconteceu no dia 02.01.2019.

Na virada do ano eu não fiz nenhuma promessa mas pedi um monte de coisas, como sempre, que nem dou conta de realizar, é lógico. Fiz uma lista agradecendo por tudo o que 2019 me trouxe e uma lista de desejos para 2020. Pense numa lista digna de Papai Noel!

No primeiro dia do ano eu me senti forte, lembrei de todos os vídeos, livros e palestras motivacionais e decidi que era hora de agir. Me vesti para a guerra, toda de preto com um casaco quebra vento e calças de malha, coloquei minha melhor playlist e ainda arrisquei enviar um vídeo para os meus anjos da guarda com a seguinte mensagem:

– “cansei de esperar, estou indo andar em volta do lago, quem vai comigo?”

Nos primeiros 5 passos fora de casa eu já estava com os dedos congelados e ao invés de marcar apenas as 5 pessoas, descobri somente no dia seguinte que eu publiquei nos stories do whatsapp.

Como fiz isso? Não sei até hoje! Só sei que dedinhos congelados fazem o que querem.

Acontece que estava fazendo 2ºC.

Depois de andar 10 km senti algo estranho, um formigamento nas pernas e um quentinho nos pés. O engraçado era que eu tentava mexer os dedinhos e não sentia nada.

A névoa já estava bem baixa e quando cheguei no apartamento fui direto pro chuveiro.  Me assustei com a visão da cintura pra baixo, pernas vermelhas como sangue, quadris roxos. A água quente não alterou em nada o meu cenário e eu tive que ficar linda assim sem saber do futuro.

No dia seguinte eu me sentia a propria Lara Croft e decidi finalmente participar de uma aula de Muay Thai.

Isso se repetia na minha lista de desejos todos os anos há pelo menos 10 anos. Cheguei na academia com 20 minutos de antecedência porque era óbvio que me seriam apresentados os planos de pagamento e as instalações, certo? Errado. Me mandaram ir pro andar da aula e ponto.

Fiquei lá em pé vendo um monte de gente fazendo piruetas no ar e a todo momento vinha um me dar a mão ao que eu me apresentava achando que era o mestre. Oh inocente…

Na hora da aula começar chegou um armário 2×2 de casaco – enquanto todos os outros malabaristas estavam de shortinho curto e solto – passou bem devagar por mim fazendo sinal de paz para todos, tirou o casaco e então se apresentou como o responsável.

-Ufa! Serei encaminhada agora!

Que nada…

O povo continuou lá na dança, no ringue, colocando umas faixas na mão e eu bem “integrada” atrás de uma coluna dando graças a Deus por estar toda de preto para não ser percebida.

Chegou uma mulher de muletas, sem conseguir encostar os pés no chão, cumprimentou todos e ao ir embora me disse:

-“você vai adorar, eu ainda tenho que esperar até março para voltar”. 

Agora pronto! Com certeza essa moça se feriu aqui!

Foi então que um rapaz encostou no meu ombro e me disse que eu precisava ir para o centro do tatame.

O mestre/montanha estava sério e os alunos logo formaram 2 filas, eu me uni a eles.  Todos comecaram a sentar, agachar, levantar os brancos, abaixar os braços… E eu toda descoordenada tentando imitar. Quando o ritual terminou ele falou algo que eu nao entendi e todos saíram correndo pras suas bolsas.

Pra mim ele disse:

-“pegue a sua ali” e apontou para uma sala.

Lá estava ela, tão inocente, tão infantil, fácil e ordinária.   

Montanha ligou o som e todos começaram a pular corda.

-Facinho, pensei. Foi assim mesmo pelos primeiros 30 segundos até eu começar a tropeçar, prender a ordinária no meu rabo de cavalo e perder o meu fôlego por completo. 

Uma coisa apitava de minuto em minuto e eu parava de pular achando que era o sinal para tal mas não, era o sinal pra pular de outro jeito. E eu continuava me embolando com a corda.

Que presepada! 

As músicas que ele escolheu foram latinas e eu só lembrava da Nayla, amiga Mexicana do trabalho, que já me arrastou para o zumba para experimentar e no tal dia não teve aula. Pensei ser o destino, eu sou meio atrapalhada mesmo apesar de já ter me arriscado bastante no sertanejo e no forró quando alguém se dispunha a levar pisões nos pés.

A tortura finalmente acabou e eu estava pronta para socar alguma coisa imaginando descontar todo o estresse do trabalho mas o professor me decepcionou ao me posicionar de frente pro espelho para treinar os movimentos.

Enquanto isso os 14 malabaristas treinavam seus movimentos avançados livremente pelo tatame. Que frustrante…

Eu me olhava no espelho e fazia os movimentos separadamente. Depois chegou a hora de fazer tudo junto e eu não consegui, me vinham os números da sequência em alemão e depois em português na cabeça, um dois, dre, zwei… . Me atrapalhei toda com os pensamentos.

De repente a música abaixou e Montanha foi indicando os exercícios de alongamento, começando por remada para frente (basicamente bater as asas).

Nessa hora eu percebi uma coisa branca balançando nas mangas da minha blusa.

– Eu tenho o tchau (flacidez nos braços) e ele balança como gelatina! – Misericórdia..

Em seguida ele pediu para todos fazerem o movimento do bambolê com os quadris, bem devagar, enquanto tocava uma música latina em que o refrão era um grito sofrido, estridente e longínquo que se traduzia em “aiaiaiaiaiaiiiiiiii…”.

Eu quis dar uma gargalhada alta pensando ser essa a minha música mas todos estavam bastante sérios e concentrados.

Chegou a hora do corpo a corpo e eu fui colocada junto de outro iniciante. Nós só tínhamos que treinar socos e chutes usando um protetor enquanto isso os outros pares treinavam a luta real.

Em um determinado momento eu comecei a sentir um cheiro estranho, meio azedo, meio de cebola, meio de queijo estragado… Era sovaqueira mesmo! Comecei a chutar cada vez mais torto, inclinando a cabeça pra baixo com a intenção de farejar o meu próprio sovaco. 

Percebi ser a única mulher entre 14 homens e nem se eu tentasse com muito esforço e dedicação eu não chegaria a tamanha potência.

Devo confessar que a parte dos chutes foi a minha favorita, ali eu realmente descontei toda a minha frustração e raiva. 

Fiquei divagando introspectivamente enquanto o meu suor emanava a minha orgulhosa contribuição para a sinfonia presente no ar, e foi então que eu percebi que a minha raiva era em relação a mim mesma.

Por que eu tinha demorado tantos anos para realizar um desejo tão simples que era fazer uma aula dessas?

A música foi silenciada e eu senti um ardor no pé. Olhei pra baixo e constatei uma ferida aberta.

-Deve ser para evitar isso que servem os protetores, pensei.

O professor anunciava o último round e eu deveria treinar os chutes no saco de areia agora. Era duro e a ferida se abriu ainda mais. Dei uma olhada para os colegas, todos com protetor de cabeça e de dentes. A coisa estava feia e eu lembrei da mulher de muletas.

Quando o round acabou, todos se enfileiraram novamente e eu no meio, mantendo bastante distância dos coleguinhas para não ofender a minhas narinas, mas eles me empurraram e ficamos todos a um palmo de distância. Pensei na sequência zen do início mas a tortura ainda iria começar.

Tivemos que fazer flexão, ponte, e ao final ponte com puxada de pernas.

Eu juro que tentei, tentei tanto que a minha blusa foi parar no pescoço, revelando meu bucho branco (como bem disse o meu irmão alemão), mas as minhas pontes desabaram como parte do eixão de Brasília. Ao final todos se cumprimentaram e correram pro vestiário.

Eu catei o meu casaco jogado no chão com cara de derrotada e fui pra porta da sala calçar os sapatos aliviada sem perceber a porta do vestiário logo ao lado da saída.

Sem vergonha, como são os alemães, eles estavam com a porta aberta, tomando banho todos juntos, o que me deixou com vergonha apesar de não ser eu a estar nua. Me mantive de costas rezando para calçar os tênis rapidamente quando alguém teve a ideia brilhante de fechá-la.

Fui pra casa mancando, no escuro e no frio.

Acordei sem conseguir me mexer direito.

Foi doloroso,

Foi humilhante.

Volto na terça feira com os protetores.

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O pão de cada dia

O inverno se aproximava e a rua parecia cada vez mais silenciosa.

O vai e vem das das árvores com o vento forte me distraiam e eu ficava ali, como que testemunhando o fim do outono em Viena.

O telefone toca e me tira do olhar fixo na janela.

  • Servus, Milena! Aqui e o vizinho Poldi, a gente queria te convidar para um café da tarde.
  • Obrigada, Poldi, mas eu acho que hoje não vai dar.
  • Então amanhã.

Eu queria inventar uma desculpa mas na minha agenda só havia os compromissos habituais, chorar, andar pela casa feito uma alma penada, ter ataque de pânico ao procurar emprego na internet, tentar conversar com os pássaros por telepatia, sentar em frente a TV somente para ficar passando pelos canais numa busca infinda e depois começar o ciclo todo novamente.

  • Sim, amanhã eu posso.

Poldi e Hannelore, um casal de aposentados tipicamente austríacos, me receberam com muito mais que um café, eles me perguntaram como eu estava e foram discretos quando minhas lágrimas começavam a brotar e eu, para disfarçar, fingia estar olhando para os lados e mudava de assunto com uma piada.

O café virou jantar e apesar de eu nao conseguir me comunicar tão bem, não faltou paciência por parte deles para repetir e reformular algo 2, 3 ou 4 vezes.

Logo ficou tarde e na porta, ao agradecer pelo convite, ainda recebo uma “quentinha”,

  • Para caso você tenha fome mais tarde.

Disse Hannelore sorrindo.

De volta a casa escura e fria me senti sozinha de novo e fui dormir pedindo para sonhar com as minhas filhas. Acordei abraçando os travesseiros e me sentindo a pior mãe do mundo.

No dia seguinte tenho os meus planos melancólicos interrompidos pelo barulho estridente do telefone.

  • Servus, Milena! Reservamos uma mesa no heuriger hoje e queremos você lá.

Hesitei. Com o dinheiro tão controlado eu não podia me dar esse luxo mas o Poldi insistiu tanto que eu fiquei com vergonha de declinar.

Heuriger é um tipo de restaurante familiar que serve comidas típicas e geralmente produz seu próprio vinho. O cardápio praticamente se apresenta no balcão. Você começa a comer com os olhos, vai apontando para o que deseja, o atendente te serve, seu prato é pesado, você paga e segue para a mesa.

Eu não sabia o que pedir então Poldi escolheu por mim. Ao tentar pagar levei um empurrão carinhoso acompanhado de uma expressão num dialeto austríaco que eu poderia livremente traduzir para o português como “marminino, passa pra lá!”.

Strudel também pode ser salgado ;)

Hannelore, uma senhora simpática e sorridente com suas botas de salto, me contava dos seus anos dourados como costureira enquanto insistia para que eu bebesse algo. Os dois deram risadas altas quando eu disse não aguentar mais ver comida mesmo assim veio a sobremesa. Nao resisti e decidi testar meus limites.

Ao voltarmos para casa, mais um café (mais um?!) na casa deles e novamente cheguei em casa com comida para o dia seguinte.

Antes de dormir chorei e agradeci a Deus pelos vizinhos e pelo pão de cada dia mas ainda fui dormir incrédula e com medo do amanhã.

Eu ainda não sabia do que Ele é capaz.

Fiquei sem marido

“Nada feito, ele terá que voltar para o Brasil”

Sai quase que flutuando da sala em direção a rua. Desci as escadas sem conseguir pronunciar uma palavra sequer. Vestimos os casacos e ao sairmos pela porta do prédio me senti voltando a superfície depois de um mergulho e como uma criança que quase se afogou eu abri o bocão e comecei a chorar e contar tudo, andando a passos largos, gesticulando e falando alto. Bem latina. Bem descontrolada. E o povo que passava por nós bem sem entender.

Nos sentamos numa pracinha perto da estação de trem para bolar o plano B, C…

Ele continuava com aquele discurso otimista dizendo que tudo daria certo. Afinal, tudo já tinha dado certo e sempre nos 45 do segundo tempo, né?

Chegamos em casa e enquanto ele pesquisava os preços de voos para fora da União Europeia me veio a necessidade de conferir a data de retorno da passagem para o Brasil. Dia 08 de novembro.

Bocão da Royal poderia ser meu novo nome.

Ele não aceitou e me fez ligar na companhia aérea para verificar o preço de alteração de passagem. 450,00 Euros.

Todos os planos envolviam gastar um valor exorbitante que a gente nem tinha!

Interrompi uma ligação que ele estava fazendo e disse “você vai ter que voltar amanhã a noite”.

Acho que até as plantas da sala choraram naquele momento.

No meio daquela melancolia eu conseguia repetir “Tem um propósito, Deus sabe o que faz, isso tudo tem um porquê”.

Adormeci aos prantos e no dia seguinte fomos comprar umas lembranças para as crianças. Quando chegamos em casa para fazer as malas o vizinho aposentado estava na rua e ao nos cumprimentar cheio e alegria a Latina aqui não se segurou e contou a situação sem nenhum autocontrole das vias lacrimais.

Ao longo do dia a gente se revezava. Hora eu chorava e ele me consolava, hora ele chorava e eu o consolava.

Fiz questão de ir até o aeroporto com ele. Vi ele entrar na área de embarque e caminhar até sumir. Fiz cara de forte, sorri, disse que seria ótimo para ele no Brasil até ele poder voltar mas quando eu dei as costas e encarei Viena novamente o meu coração se encheu de dúvidas.

Sem minhas filhas, sem marido, recém desempregada, será que não teria sido melhor voltar para o Brasil também?

O modo piloto automático me guiou para pegar o trem certo e me levou até a porta de casa. Sai do transe e abri a porta daquela casa enorme, escura, e fria. Corri escada acima e entrei no que era o nosso quarto, me ajoelhei aos pés da cama, desmoronei em pranto e conversei em voz alta com Deus. Eu não perguntei porque, nem pra quê, nem quando as coisas se resolveriam.

Depois de muito me lamentar veio um pedido: “Deus, cuida de mim porque eu já não consigo mais!”, assim eu entreguei os pontos naquela noite até adormecer.

Mais uma vez com dinheiro contado eu olhava pela janela sem saber o que fazer.

Tínhamos combinado de ir almoçar num restaurante típico com o casal de vizinhos aposentados (o mesmo que eu havia dado a notícia) muito antes de sabermos que um de nós não estaria presente. O dia chegou e apesar de estar sem vontade de sair da cama eu fui, é feio cancelar os compromissos aqui.

No restaurante o casal contava a todos os 13 convidados sobre a minha situação, eu mal entendia enquanto eles revezavam alemão com dialetos locais. Queria enfiar a cara no chão de tanta vergonha. Eles me faziam perguntas e como eu não entendia bem nem conseguia responder direito aproveitei pra manter a boca ocupada com o ganso que estava sendo servido.

Quem disser que comida não conforta é por que nao comeu o suficiente. Eu já estava preocupada da calça jeans terminar de rasgar quando chegou vinho para todos, depois sobremesa, café, licor e o povo, graças aos óculos embaçados, parecia me ver bem desnutrida e insistiam para eu comer mais.

Resultado? A calça realmente terminou de rasgar.

Quase sem teto em Viena :/

Malas prontas, documentos traduzidos e apostilados, tudo vendido, apartamento alugado e filhas com os pais…

Recém casados, coração dilacerado mas com a certeza de logo ter tudo arrumado para as crianças nos encontrarem, partimos rumo a Viena, Áustria.

Não tínhamos conseguido juntar todo o dinheiro que queríamos mas se ficássemos no Brasil certamente teríamos sempre mais e mais gastos e a poupança nunca ficaria robusta.

Pagamos 2 semanas de hospedagem e tínhamos a certeza de que esse período seria o suficiente para conseguirmos um apartamento, afinal, sou cidadã austríaca por parte de mãe e o governo tem um dos melhores planos de assistência social do mundo.

Recebi orientação de uma pessoa querida de que eu teria direito a seguro desemprego, plano de saúde e moradia do Estado, tudo o que eu tinha que fazer essa comparecer no órgão responsável. Confesso que foi essa fala que mais me deu coragem de vir, o que poderia dar errado com tantas garantias?

A vida nos prega cada peça…

A ideia era ir na agência do trabalhador daqui, AMS. Eles são responsáveis pela recolocação no mercado de trabalho, seguro desemprego e vários cursos profissionalizantes, inclusive o curso de alemão.

Mal sabia eu da burocracia do mundo velho…

O que me foi explicado é que eu não poderia me cadastrar como desempregada e nem receber qualquer tipo de informação ou auxílio enquanto eu não tivesse uma residência fixa.

Mas como ter residência fixa se eu não tinha emprego?

Depois de me aconselhar por telefone com aquela pessoa querida e experiente fui bater num órgão de Viena que é responsável por dar auxílio moradia para os residentes.

Imagine, Douglas e eu numa fila gigante, eu parecia suar de calor mas na verdade era de pânico mesmo em ter que falar alemão e nao entender nada. Lembro que tinha um telão que ficava passando umas informações repetidamente que eu lia e relia, jogava no tradutor, e nada fazia sentido.

O que me acalmou um pouco foi ver tantos estrangeiros na fila. Pensei, “se eles têm direito, eu também tenho.”

Via os recepcionistas encaminhando esse pessoal para uma sala de aconselhamento individual e senti que em breve estaríamos no nosso apartamento com as crianças.

Quando chegou a nossa vez eu me expliquei e o atendente se transformou. Ainda não sei se ele estava com calor ou indigestão então disse, “mas é cada uma que me aparece!” e logo continuou, “só daqui a 2 anos você terá direito a um auxílio”. Ele me entregou um folheto com as mesmas informações que estavam no telão e chamou os próximos clientes.

Acho que fiquei um pouco catatônica mas fui conduzida até a calçada pelo meu marido que só repetia “a gente vai dar um jeito”.

Durante o nosso planejamento para a mudança descobrimos que para alugar um apartamento só seria necessário o primeiro aluguel e mais 3 alugueis de caução. Quem não tem cão, caça com gato! Começamos a pesquisar noite e dia e enviar email para todos os anúncios de apartamentos de 2 quartos para recebermos as meninas o quanto antes. Já conseguia nos imaginar brigando pelo banheiro de manhã e pisando em brinquedos espalhados pela casa.

Recebi resposta de todos os anúncios pedindo os últimos 3 contracheques ou um fiador.

Só um detalhe faltou: eu nao tinha nada disso! Minha mãe tem dois primos distantes em Viena que eu nunca conheci. Como conseguir um fiador? E se eu não conseguisse o seguro desemprego logo?

Foi então que eu comecei a apelar para a estratégia mais conhecida mundialmente, o choro de desespero. Eu chorava ao acordar e ao dormir. Nossas duas semanas de hospedagem (e lua de mel) estavam acabando e nós estávamos em modo economia total, não poderíamos gastar mais com airbnb ou hotel para não comprometer o dinheiro reservado para o aluguel de um apartamento.

Meu marido tem uma mania estranha de me consolar dizendo “Deus só quer o melhor pra gente”. Ele não me deixava chorar em paz! Eu não podia nem me imaginar debaixo da ponte fazendo amizades com os moradores de rua para descobrir onde seria servida a sopa do dia que ele cortava o meu barato! Sim, por que seja na riqueza ou na pobreza, eu tenho que inventar soluções para os possíveis problemas.

Passamos a rezar juntos e tudo o que eu pedia pra Deus era que arrumasse alguém experiente na cidade que pegasse na minha mão e mostrasse o caminho.

Eu já nem queria sair do flat, acho que era procurando uma forma de aproveitar a máquina de lavar enquanto a tinha.

Douglas já devia estar sufocado de tanta negatividade quando disse que a gente deveria sair para respirar ar fresco e pensar em soluções. Passar o dia trancados não iria resolver a questão.

Concordei e com aquele calor do verão eu só queria um chope e uma vista. Fomos para Copa Kagrana, uma praia artificial que o governo criou na beira do rio (para imitar Copacabana mesmo hihihi). Ao pagar pelo chope eu deixei uma moeda de 1 Real cair no balcão, pedi desculpas em alemão e o garçom me perguntou em português se eu era brasileira.

Ele estava com outro amigo brasileiro e nos abasteceram de ideias de onde morar provisoriamente e onde conseguir emprego.

A gente deveria procurar por WG (república estudantil) em grupos no facebook.

Me deparei com vários que não aceitavam casais e quase todos cobravam o mesmo preço de uma kit mobiliada por um quarto, a vantagem, pediam caução mas não documentação.

Com o coração reabastecido começamos a procurar e recebemos vários “nãos”. O que eu fiz? Chorei mais, claro. Mas rezei mais também até que acordei cedo um dia e vi um anúncio diferente que dizia: “Promoção para o mês de setembro: metade do preço e sem caução”. Descobrimos que o dono do WG ia viajar e precisava de gente morando lá para receber os outros novos moradores 2 semanas depois.

Ficamos com o apartamento totalmente mobiliado, com máquina de lavar, cozinha completa, wifi, TV a cabo numa localização incrível por 1 semana sozinhos. Nas semanas seguintes conhecemos os novos moradores, que eram super legais, e como a agência do trabalhador me negou todo e qualquer auxílio novamente eu consegui um emprego por conta própria de garçonete para eventos.

Tudo certo e fluindo até o mês de setembro ameaçar acabar. Outra pessoa se mudaria para o nosso quarto e apesar de estar trabalhando, a gente ainda não tinha o fiador nem os 3 contracheques. Vocês já sabem o que eu fiz, né?

E lá veio o meu marido novamente com aquela história de que Deus só tinha o melhor pra gente. Será que ele não estava entendendo que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar?

Numa manhã estava ele a pesquisar por WGs pelo celular e eu pelo computador quando eu tive uma inspiração, house sitting (cuidador de casa). Funciona assim, quando uma pessoa vai viajar ela deixa outra cuidando da casa, das plantas e dos bichinhos de estimação, se tiver.

Naquele momento a gente decidiu que iria para qualquer cidade, contanto que tivéssemos moradia. Achei vários sites com apartamentos e casas sensacionais, pelo mundo inteiro, e somente um tinha casa na Áustria, e ela ficava em Viena.

Tentei contactar os proprietários mas isso somente com cadastro. Fiz o cadastro e tentei novamente mas eu só poderia enviar mensagens se pagasse a anuidade de U$ 50,00.

Achamos pesado, sem garantias e tivemos medo do site ser uma ilusão, então decidimos tocar a vida e continuar procurando um WG.

Duas noites depois eu tive um sonho, nele eu falava que os donos da casa estavam nos procurando e que a gente deveria escrever uma mensagem com caixa alta no nosso perfil para que eles pudessem nos ver e nos achar. Acordei cedo, peguei o celular para ver a hora e vi que tinha um email. Era uma mensagem automática do site me informando que os proprietários da casa haviam mudado o anúncio. Eles diziam que estava perto da viagem, que os house sitters combinados de ficar tiveram uma emergência e que portanto eles ainda tinham esperança de achar alguém para cuidar da casa.

Foi a nossa deixa. Pagamos a anuidade, afinal poderíamos nos hospedar em qualquer lugar do mundo, e enviamos uma mensagem. Eles responderam quase que imediatamente. Depois de trocarmos informações, documentos, contratos, novas cláusulas e intenções o casal de aposentados marcaram uma conversa por skype e confirmaram que poderíamos ficar na casa. Eles estavam com as passagens para o dia 16 de outubro mas a gente poderia levar alguma bagagem e conhecê-los antes disso.

Mas e os outros 15 dias de outubro? A procura por WGs continuava mas ninguém queria receber um casal e ainda mais por apenas 15 dias. Nesse período eu já estava andando como zumbi, garçons aqui só tem obrigações, nada de direitos. Eram 12 a 14 horas em pé, fazendo todo o tipo de serviço e apenas 15 minutos de pausa para o xixi e um lanchinho, muitas vezes em pé mesmo, saia de casa às 3 ou 5 da manhã algumas vezes. Ouvi todos os tipos de dialetos e muitas vezes me senti agraciada de não ter o domínio total do alemão e por muitas vezes não entender o que os chefes diziam aos berros. Ignorância é sim uma benção.

Amorzão teve que se virar sozinho nessa missão quase impossível. Ele, sem falar o idioma, fuçava todos os sites com seu tradutor automático no celular e eu não sei se foi na deep web mas ele achou o anúncio mais escondido da internet. Enviei um email pedindo maiores informações e a senhora logo me ligou falando esloveno. Na hora eu não entendi nada e por alguns segundos fiquei estática achando que poderia ser mais um dialeto. Acho que foi nesse dia que descobri o jeito para se fazer compreender, rir. Ela logo começou a falar em inglês e marcamos um dia para conhecer o seu WG.

Chegamos com 1 hora de antecedência, os velhinhos daqui gostam de pontualidade. A gente achava a rua mas nada do número que ela falou. Liguei e ela mandou a gente atravessar a rua, do outro lado outro nome. Depois de muitas ligações descobrimos que estávamos no distrito errado. Sim, o google maps vai te mostrar dois endereços iguais mas em bairros diferentes.

Corremos até o local e a senhora já nos recebeu com desconfiança. Ela só repetia que há 20 anos atrás foi tocar violino para a filarmônica do Rio de Janeiro e foi espancada na praia de Copacabana por causa da sua câmera fotográfica. Que trágico, nós ali precisando de um local para ficar, chegamos com 1 hora de atraso e a bichinha já com medo da gente.

O apartamento era velho, abafado e fedia a mofo. O preço que ela queria era caríssimo em relação aos outros que não nos aceitavam. Acho que ela percebeu a minha cara de tristeza e nos mandou entrar no carro. Pensei que ela ia se vingar dos brasileiros pelo jeito que dirigia.

Esse outro apartamento também era velho e o quarto era na verdade uma sala de estar que ela havia fechado com tablado. Duas camas de solteiro improvisadas com colchões antigos e já bem pesados de tanto ácaro, as cortinas, última moda em 1960 e o guarda roupa era na verdade uma antiga estante de TV. O valor que ela queria era altíssimo e não condizente com o estado do imóvel, mas fazer o quê? Ao assinar o contrato e sair para sacar o valor do aluguel e da caução para entregar em espécie (exigência dela), ela nos informa que travesseiro, toalhas e roupa de cama não estavam inclusos.

Lembro de ter dado um mini ataque de pânico andando pelas ruas e lembrando dos tapetes, quadros de quebra cabeça, mofo no teto e banheiro com cheiro forte de urina. E lá estava ele, andando ao meu lado, claramente desaprovando o meu estado, e repetindo “só o melhor pra gente”…

Ainda tivemos que pagar 2 dias de hospedagem em um hostel entre a primeira república e a segunda. Carregando 4 malas no transporte público da cidade.

Os 15 dias nesse apartamento se passaram lentamente entre banhos rápidos com medo de me encostar na cortina mofada da banheira, falta de coragem de entrar na cozinha que possuía até restos de comida derretida nos armários velhos, geladeira fedorenta e ainda as surpreendidas constantes da senhora e os seus interessados em alugar o quarto quando saíssemos. Na sua primeira visita ela foi entrando no quarto sem bater e quase me pega trocando de roupa, logo em seguida nos repreendeu por termos enrolado o tapete, com intenção de respirar melhor. Ela disse que sem o tapete e de pés descalços nós iremos estragar seu piso novinho, provavelmente da sua idade, de tábua corrida. A gente ficava irritado mas logo passava e tínhamos vontade de ajudar aquela senhora solitária. Isso era a ocupação que ela tinha achado para a sua aposentadoria.

Chegou o dia de conhecer casa do house sitting. Esperamos ansiosamente por esse dia, afinal, qualquer coisa seria lucro depois desse último WG. No anúncio deles só havia a foto de uma cristaleira antiga. O bairro fica no subúrbio de Viena e nós não tínhamos ideia da distância nem de como era a casa quando concordamos. Estávamos aliviados e agradecidos por que teríamos uma cama e um teto.

No dia da visita cada um empurrou uma mala pelo caminho. Pegamos o tram, o metrô, um ônibus e caminhamos 15 minutos com as malas até acertar o local e já na frente da casa tivemos que confirmar o endereço várias vezes por não acreditar nos nossos olhos.

Quando fomos recebidos pelo casal de proprietários a gente se olhou sem palavras e com os olhos concordamos: “Deus só quer o melhor para a gente”.

A casa possui 4 quartos, piso de madeira laminado, 2 banheiros, um com ducha o outro com banheira, cozinha reformada e totalmente equipada com máquina de café expresso, geladeira retrô e colorida, máquina de lavar louça, de lavar roupa e máquina de secar, wifi, televisão tela plana com chromecast, TV a cabo, telefone, bicicleta, lareira e aquecimento em todos os cômodos. Todas as portas estão abertas e nós pudemos escolher em qual quarto dormir (inclusive no quarto deles). A despensa e geladeira estavam cheias quando eles viajaram e a recomendação era de consumir tudo o que quiséssemos e só repor o que chegasse ao fim.

Nos mudamos na noite anterior a viagem deles e fomos recebidos com comida indiana e as chaves do carro com tanque cheio, caso quiséssemos usar.

Eu nao sei quantas vezes eu agradeci até que a dona sorriu e disse: “é um acordo que beneficia ambas as partes, também estamos felizes que vocês ficarão na casa”.

Tudo o que precisamos fazer é cortar a grama uma vez por semana e pagar o que consumirmos de água, luz e gás.

Ah! Esqueci de contar, nosso contrato se iniciou em outubro de 2018 e vai até março de 2019.

Você acredita em providência divina ?

Quase ficamos sem teto

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Coloca o pé no mundo e more de graça!

O dilema do alemão

O dilema do alemão

A decisão de morar fora estava tomada mas decidir onde se estabelecer levou um tempo.

Minha mãe mora em Hamburgo, Alemanha, tenho irmãos em Berlim, outro em uma cidade menor, uma pessoa querida em Munique, então o mais prudente seria se mudar para esse país, certo?

Errado. Eu queria fugir do alemão como o diabo foge da cruz.

Veja bem, eu morei na Alemanha e nos Estados Unidos na infância, mas eu tive tantos problemas pessoais em Hamburgo que bloqueei o entendimento da lingua quase que para ficar surda ao que pudesse vir de lá.

Tive prazer em continuar estudando inglês, tanto que virei professora do idioma.

Em 2013, depois de muitos anos de análise, eu cheguei a conclusão de que estava na hora de enfrentar esse monstro. Paguei um curso de verão e apartamento estudantil em 36 meses, uma grande amiga passou as passagens no seu cartão (eu não tinha limite alto) e eu deixei de pagar umas contas de casa para pagá-la. Convenci uma colega de ir também e fomos passar o mês de julho em Berlim. Essa viagem também foi a primeira coisa verdadeiramente cara que eu consegui custear sozinha.

Apesar de ter sido super bem recebida pelos meus irmãos, ex madrasta querida, e beber muita cerveja boa e barata, eu tive o reforço dos sentimentos que me acompanharam desde a infância toda vez que deparava com algumas pessoas rudes, como foi na escola de alemão;

Primeiro dia de aula: expectativa no teto e eles decidem tomar metade do tempo para refazer testes de nivelamento que já haviam sido realizados pelo site anteriormente.

Segundo dia: Sala de aula no porão com as janelinha cerradas em pleno verão, até aí tudo bem. Professor entra na sala todo simpático. Me alegrei até dar a primeira respirada. Nem moradores de rua fedem tanto!

Fui na coordenação para pedir que sugerissem um banhozinho ao professor.

Terceiro dia: Professor adentra a sala usando exatamente as mesmas roupas do dia anterior e trazendo consigo aquele Eau de Parfum fisiológico e digno da idade média.

Pedi transferência de turma já que estava difícil manter a concentração e o café da manhã dentro de mim, o que me foi concedido.

Quarto dia: Sala de aula com janelas, nenhum cheiro forte, agora vai!

Após 15 minutos o professor começa a falar sobre os projetos sociais pelo mundo e ao constatar que eu era brasileira ele decide dar um longo discurso de como o Brasil era feito de bandidos, que um amigo tinha sido assaltado em Copacabana e que então o país inteiro não prestava nem para turismo. Ao sinalizar que ele não conhecia o país, muito menos seus habitantes, e que estava sendo indelicado e desrespeitoso comigo ele ficou furioso, tentou arrastar os outros alunos para a discussão (sem sucesso), gritou, ficou vermelho e tentou me intimidar já que eu mantinha a minha opinião de que ele estava ali para dar aulas de língua estrangeira e deveria ser neutro em relação às suas convicções.

A coisa só foi piorando e após um tanto de acusações contra o Brasil e a mim eu perguntei se ele achava certo eu supor que ele era nazista já que a Alemanha era conhecida por conta da segunda guerra mundial. Nessa hora eu me perguntei se ali havia algum tipo de lei “Maria da Penha” por que eu jurava que uma mesa ou cadeira viria em minha direção.

Levei esse assunto à diretoria e pasmem, eles acharam a conduta do professor perfeitamente normal. Ainda ouvi da coordenadora que eu reclamava demais, já que no dia anterior eu tinha pedido para trocar de sala por conta do professor cheiroso.

Com muito custo, saliva e alternando o alemão com inglês, eu finalmente consegui convencê-los de me devolverem o dinheiro para que eu fizesse o curso em outra instituição.

Saindo da escola eu andava em passos largos, me sentindo humilhada e injustiçada. Logo eu que era conhecida por ser uma professora carinhosa e acolhedora, o que fiz para merecer isso? Na primeira esquina eu achei um muro baixo perto de uma árvore e engasgada eu chorei, molhei a minha blusa com as lágrimas, me senti sozinha e sem valor, e naquele momento me arrependi de ter deixado as minhas filhas, na época com 5 e 3 anos, de férias com os pais para que eu pudesse passar 22 dias ali e me lembrei de todas as pessoas que nao me apoiaram, e me disseram que aquilo era um capricho e que de nada valeria o meu esforço.

O valor tinha que ser devolvido para a agência de intercâmbio e só então ela contrataria outra escola. Passei uma semana praticando a língua pelas ruas de Berlim, vagando e refletindo, já sem lágrimas, sobre o que me trouxera até ali.

Me admirei com o carinho dos meus irmãos que estavam sempre presentes e me abraçavam apesar de não termos crescido juntos. Em um determinado momento eu estava quase sem dinheiro (e sem contar a ninguém) e eis que recebo o convite para almoçar na casa da minha ex madrasta, que havia se separado do meu pai há uns 20 anos. Ela e seu marido me receberam de braços abertos e ao final ela me abraça forte e me entrega envelope com um cartão lindo e dinheiro o suficiente para fazer tudo o que eu ainda nao tinha feito em Berlim. Acho que até hoje ela nao sabe do quanto eu estava precisando daquele abraço, dos sorrisos, de ser ouvida e daquela ajuda. Serei eternamente grata.

O segundo centro de idiomas foi bom mas o tempo voou entre livros, paisagens, passeios, reencontros e museus e logo eu estava de volta, não com o que eu queria ter aprendido, mas com o que eu precisava ter aprendido.

Depois dessa viagem eu me libertei de ser a vítima para entender que eu tinha sim o direito à escolha e que os meus desejos mereciam ser alcançados.

Você acredita que existe uma força maior que te guia por caminhos tortuosos para que você viva e receba exatamente o que você precisava?

O início

“Menina, você é louca!”
Passei meus últimos meses no Brasil ouvindo isso.
Meu marido tinha um trabalho estável como coordenador de logística e eu já havia trabalhado como professora de inglês em várias escolas e estava tocando o meu próprio projeto de vivência em inglês e colônia de férias com uma veia mais artística. Muitas vezes fiz trabalhos como free lancer na área de educação e isso geralmente envolvia viajar pelo Brasil.
Nós moravamos em um bairro de classe média, em condomínio  fechado, com piscina, brinquedoteca, churrasqueira, academia, salão de festas, etc. Na garagem coberta, um carro quitado. Nos finais de semana nos sentiamos completos; minhas 2 filhas e os 2 filhos do meu marido enchiam a casa de alegria e amor.
Um dia decidi que era hora de deixar tudo isso e partir para Áustria.
Agora pergunto a você, caro leitor, também me acha louca?
Não te culpo, você só tem essa visão, você não convivia conosco.
A verdade é que por mais que a gente trabalhasse, estudasse e se especializasse, sempre ficava uma (duas, três…) conta(s) por pagar. Parece que estavamos correndo contra os preços  do itens básicos do mercado. Quando conseguíamos ganhar mais um pouco o preço do arroz aumentava, o reajuste da escola das crianças era acima do permitido, havia mais uma taxa extra no condomínio e apesar do meu carro ter mais de 4 anos e eu nunca ter usado o seguro, em 2017 eu paguei mais caro do que no ano que retirei o carro da concessionária. Plano de saúde? Quando decidi empreender ficou impossível de achar um plano que me aceitasse assim como pagar por um.
Mas ate aí tudo bem, a gente se acostuma, se ajusta, corta daqui, corta dali e vai dando um jeito. Dinheiro nunca esteve em primeiro lugar na minha vida.
Quando criança eu morei nos Estados Unidos e na Alemanha. Foi bastante desafiador me adaptar  à nova cultura, me virar sem saber a língua e fazer amizades. Mas uma coisa praticamente me moldou para a vida, a liberdade.
Nos Estados Unidos eu podia andar de transporte publico sozinha aos 7 anos de idade. Na Alemanha me foi acrescentada a bicicleta e todos os parques e bosques que eu me alegrava de ir desacompanhada.
Um dia percebi que minhas filhas tinham como meta de vida ter a boneca tal, andar de limosine, ser como a cantora tal e ter o corpo tal quando crescessem.
Mariah tem 10 anos e Angelina, 08.
Você, caro leitor, acha normal isso?
Quero que elas caiam de bicicleta, subam em arvores, peguem caracóis pelo meio do caminho, joguem pedrinhas nos lagos, saiam sozinhas sem serem assediadas ou assaltadas, aprendam a usar o transporte público e nem queiram ter carro.
Que elas tenham uma relação com o dinheiro que vá alem dos modismos e tendências, que elas aprendam o que tem que está de fato em primeiro lugar.

Mesmo que para alcançar isto eu tenha que ficar longe delas por um tempo…