O pão de cada dia

O inverno se aproximava e a rua parecia cada vez mais silenciosa.

O vai e vem das das árvores com o vento forte me distraiam e eu ficava ali, como que testemunhando o fim do outono em Viena.

O telefone toca e me tira do olhar fixo na janela.

  • Servus, Milena! Aqui e o vizinho Poldi, a gente queria te convidar para um café da tarde.
  • Obrigada, Poldi, mas eu acho que hoje não vai dar.
  • Então amanhã.

Eu queria inventar uma desculpa mas na minha agenda só havia os compromissos habituais, chorar, andar pela casa feito uma alma penada, ter ataque de pânico ao procurar emprego na internet, tentar conversar com os pássaros por telepatia, sentar em frente a TV somente para ficar passando pelos canais numa busca infinda e depois começar o ciclo todo novamente.

  • Sim, amanhã eu posso.

Poldi e Hannelore, um casal de aposentados tipicamente austríacos, me receberam com muito mais que um café, eles me perguntaram como eu estava e foram discretos quando minhas lágrimas começavam a brotar e eu, para disfarçar, fingia estar olhando para os lados e mudava de assunto com uma piada.

O café virou jantar e apesar de eu nao conseguir me comunicar tão bem, não faltou paciência por parte deles para repetir e reformular algo 2, 3 ou 4 vezes.

Logo ficou tarde e na porta, ao agradecer pelo convite, ainda recebo uma “quentinha”,

  • Para caso você tenha fome mais tarde.

Disse Hannelore sorrindo.

De volta a casa escura e fria me senti sozinha de novo e fui dormir pedindo para sonhar com as minhas filhas. Acordei abraçando os travesseiros e me sentindo a pior mãe do mundo.

No dia seguinte tenho os meus planos melancólicos interrompidos pelo barulho estridente do telefone.

  • Servus, Milena! Reservamos uma mesa no heuriger hoje e queremos você lá.

Hesitei. Com o dinheiro tão controlado eu não podia me dar esse luxo mas o Poldi insistiu tanto que eu fiquei com vergonha de declinar.

Heuriger é um tipo de restaurante familiar que serve comidas típicas e geralmente produz seu próprio vinho. O cardápio praticamente se apresenta no balcão. Você começa a comer com os olhos, vai apontando para o que deseja, o atendente te serve, seu prato é pesado, você paga e segue para a mesa.

Eu não sabia o que pedir então Poldi escolheu por mim. Ao tentar pagar levei um empurrão carinhoso acompanhado de uma expressão num dialeto austríaco que eu poderia livremente traduzir para o português como “marminino, passa pra lá!”.

Strudel também pode ser salgado ;)

Hannelore, uma senhora simpática e sorridente com suas botas de salto, me contava dos seus anos dourados como costureira enquanto insistia para que eu bebesse algo. Os dois deram risadas altas quando eu disse não aguentar mais ver comida mesmo assim veio a sobremesa. Nao resisti e decidi testar meus limites.

Ao voltarmos para casa, mais um café (mais um?!) na casa deles e novamente cheguei em casa com comida para o dia seguinte.

Antes de dormir chorei e agradeci a Deus pelos vizinhos e pelo pão de cada dia mas ainda fui dormir incrédula e com medo do amanhã.

Eu ainda não sabia do que Ele é capaz.

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